24 de outubro de 2008

Vitória de Dino pode criar 3º pólo no Maranhão, diz historiador



Observador do contexto político maranhense, o historiador Wagner Cabral, da Universidade Federal do Maranhão, diz que “nenhum analista político pode afirmar com certeza a vitória de João Castelo ou de Flávio Dino”. Uma das dificuldades na análise do quadro está no fato de duas das três pesquisas de opinião estar distorcidas. “As relações de poder com os institutos de pesquisa fazem com que a manipulação seja às vezes extremamente grosseira”, diz. E aposta: a vitória de Dino poderia construir “um terceiro pólo de referência estadual”. LEIA PRINCIPAIS TRECHOS DE ENTREVISTA AO PORTAL WWW.VERMELHO.ORG.BR

Cabral aposta na esquerda

Contexto das eleições no Maranhão“A política maranhense se estruturou historicamente de maneira oligarquizada. E o ano de 2008 confirma a bipolarização que se estabeleceu na política estadual a partir da crise dentro da oligarquia Sarney. Este foi um aspecto determinante do cenário eleitoral de 2006. A Frente de Libertação, que naquele ano elegeu Jackson Lago governador em oposição ao grupo Sarney (que lançara Roseana) reunia fundamentalmente PT, PCdoB, PDT, PSB e PSDB. A Frente tem algo em torno de 2/3 dos prefeitos do Maranhão. Boa parte desses prefeitos tinha sido eleita por partidos da base de Sarney. Ao longo da crise da oligarquia mudou de lado, beneficiando-se da posição de serem governistas. De maneira que essa reconfiguração das forças políticas locais apareceu como uma grande característica da eleição 2008. A polarização entre Sarney e anti-Sarney acabou produzindo essa nova divisão política”.

Particularidades de São Luís
“A situação em São Luís é diferente porque na cidade o grupo Sarney nunca teve candidatos competitivos. Ao longo da década de 2000, a polarização sempre foi entre o PDT e o PSDB de João Castelo, derrotado em eleições municipais em 1996, 2000 e 2004. Mesmo sendo continuamente derrotado, Castelo sempre teve base política na cidade, que gira em torno de 1/3 dos votos obtidos em 2000 e 2004. Essa situação fez com que em São Luís a polarização se desse de outra maneira. Não entre sarneísmo e anti-sarneísmo, como foi a regra geral no resto do Maranhão, mas dentro da fragmentação da própria Frente de Libertação que, uma vez no poder, a partir de 2007, começou a se mostrar inconsistente devido à sua heterogeneidade. Temos então o surgimento de dois candidatos (Flávio Dino e João Castelo) que são de partidos que fazem parte da base do governo Jackson Lago, mas que representam tendências diversas dentro dessa frente”.

A sustentação de João Castelo

“João Castelo é um candidato competitivo, com um patamar de votos em torno de 1/3 do eleitorado, uma votação originada não por acaso. O candidato ostenta uma imagem de bom administrador, ainda baseada na época em que foi governador (1979-1982). Mas a questão não está no fato de ele ter feito grandes obras, como gosta de alardear na televisão. O que lhe dá sustentação na cidade é o fato de que foi o último governador biônico da ditadura militar que contou com a expansão do gasto público. Por isso, construiu os últimos grandes conjuntos habitacionais da cidade – o bairro Cidade Operária é o principal – e distribuiu os apartamentos de maneira clientelista. Ou seja, Castelo construiu uma base política através de concessões. Não é por acaso que boa parte de seus eleitores está faixa dos 45, 50 anos. Outra dimensão da política clientelista que ele exerceu na capital foi a expansão do emprego público – muita gente se empregou no estado por suas mãos. Para o bem ou para o mal, uma parcela dessa população beneficiada por casas ou empregos públicos vê isso como um favor e troca esse favor pelo voto em João Castelo. Todo esse acúmulo resultou, no começo destas eleições, no alto índice de intenção de voto de Castelo, que aparecia com mais de 60%. A situação dele também foi favorecida pelo fato de seu tradicional adversário, o PDT, ter se dividido. Além disso, Castelo perdeu as duas últimas eleições para candidatos que já tinham nome consolidado e em 2000 e 2004, para prefeitos que buscavam a reeleição. Agora não. Os nove nomes que se lançaram não estavam consolidados junto à população. Todos tiveram de começar num patamar muito baixo, visando o segundo turno”.

O fator Flávio Dino

“Foi nesse contexto que a candidatura de Flávio Dino conseguiu crescer – representando os setores à esquerda aglutinados na Unidade Popular, com PT e PCdoB – e ganhar a simpatia dos setores médios. Do ponto de vista da população de baixa renda, a relação com o governo Lula e a sua associação com o presidente foram fatores que contribuíram para mudar o eixo de discussão no primeiro turno. Enquanto no estado inteiro a polarização se dava entre Sarney e anti-Sarney, em São Luís a polarização se deu em torno do apoio ou não de Lula. Castelo passou o primeiro turno despreocupado com esse debate, mas já nas duas últimas semanas antes do 5 de outubro ficou bastante perceptível, por conta da evolução da campanha de Flávio Dino, a nova estratégia de Castelo, que teve de ser reformulada para tentar evitar que esta polarização fosse a polarização fundamental. Vieram inclusive com essa estratégia de ‘sou Lula, voto em Castelo’. E assumiu um discurso muito frágil, dizendo que o presidente não tinha lado”.

A resposta de Flávio Dino

“A campanha de Flávio Dino soube responder muito bem dizendo que Lula não tem dono, mas tem lado. Mais uma vez, agora por conta dessa fragilidade, Castelo modifica sua tática, trazendo Aécio Neves a São Luís e ficando mais agressivo com relação à campanha de Flávio Dino, desqualificando o adversário. É quando o velho anticomunismo da direita aparece. Sua versão mais aguda aparece no meio evangélico, com manifesto contra o candidato. Mas nada disso foi suficiente para barrar o crescimento de Flávio Dino”.

Manipulação grosseira

“Duas pesquisas (Ibope e Exata) dão uma diferença extraordinária em favor de Castelo, mas em ambos os casos observa-se claramente indícios de manipulação que já havia acontecido no primeiro turno. O jornal O Imparcial, na véspera do primeiro turno, chegou a publicar que Castelo venceria no primeiro turno. E quando as urnas foram abertas, ficou muito abaixo do que diziam. Além do mais, no Maranhão, de maneira geral as pesquisas erram. As relações de poder com os institutos de pesquisa fazem com que a manipulação seja às vezes extremamente grosseira. A Escutec, que dá empate técnico, me parece ser a que estaria num patamar mais realista levando em consideração o crescimento apresentado por Flávio Dino e o próprio patamar de tradicional de Castelo. Nenhum analista político que observa hoje a movimentação política na cidade pode, em sã consciência, afirmar com certeza a vitória de um ou outro”.

Significado da vitória da esquerda

“Quando há dois anos me perguntavam se havia diferenças substantivas do ponto de vista das práticas políticas entre o PDT e os candidatos da oligarquia Sarney, eu dizia que sim. Porém, o PDT nunca conseguiu aparecer como tendo uma prática política diferenciada e do ponto de vista da discussão do estado, das políticas mais gerais do Maranhão, até hoje o governador não disse bem a que veio. Mas constituiu um avanço pelo simples fato de ter rompido com aquele monopólio e estabelecido uma bipolarização que marcou as eleições estaduais. Portanto, o fato de que a esquerda possa vencer em São Luís com Flávio Dino e a partir daí constituir um terceiro pólo de referência estadual é extremamente saudável no que diz respeito à competição política e à luta social mais ampla pela democratização do estado, mesmo que a vitória não mude imediatamente o quadro da sucessão estadual de 2010, já que a capital nunca decidiu eleição no estado. Mas, numa perspectiva de médio prazo, a vitória é bastante promissora no sentido de constituir uma terceira força porque isso modificaria sensivelmente a balança política no estado, enquanto que João Castelo consolidaria de vez esse perfil tucano-pedetista da política regional”.


De São Luís,

Priscila Lobregatte

Nenhum comentário: